segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O RH e o Conselho

Os conselhos das empresas estão procurando mais participação de RH - o que eleva o perfil da profissão mas também gera riscos Robert J. Grossman, da HR Magazine
Não faz muito tempo que muitos conselhos de empresas atuavam basicamente como espectadores nos negócios, endossando quaisquer ações estabelecidas pelo CEO. Mas isso foi antes de os escândalos da Enron e de outras companhias virem à tona, antes da aprovação da Sarbanes-Oxley (SOX) Act e da implementação das regulamentações da Securities and Exchange Commission (SEC), exigindo mais transparência e detalhamento acerca do pagamento dos altos executivos.
Agora, por conta desses avanços, os conselhos estão mais ativamente envolvidos na supervisão dos negócios, afirma Beverly Behan, que é diretor de gestão do Conselho de Melhores Práticas do Hay Group e deu consultoria a aproximadamente 70 conselhos nos EUA e no Canadá. "Antes da SOX, a grande maioria dos conselhos era bem ritualística, o CEO ia até eles com um estilo imperial", comenta Behan. "Hoje, os conselhos são mais independentes e engajados. Estão questionando mais, ficando muito mais envolvidos com as decisões importantes."
Jill Kanin-Lovers, uma ex-executiva de RH da Avon, que agora integra três conselhos corporativos, também observa um aumento na atividade e supervisão do conselho. Ela conta que, agora, compreende melhor a necessidade de se ter mais detalhes e análises para aprovar matérias ou tomar decisões importantes sobre os rumos da empresa, por exemplo.
Assim como Kanin-Lovers, outros diretores de conselho também estão buscando mais informações - em muitos casos de altos profissionais de recursos humanos. Para executivos de RH ávidos por acesso ao conselho, essa tendência pode ser uma boa notícia. Mas ela também pode trazer desafios para os quais os altos executivos da área devem estar atentos. Por exemplo, uma maior interação com os membros do conselho pode colocar o RH numa posição politicamente delicada em relação ao CEO. Em parte por conseqüência desse tipo de pressão, os conselhos geralmente contratam consultores de RH externos para orientá-los - uma situação que pode ou não trabalhar a favor do executivo de RH.

RH chega ao radar

Logo após a aprovação da SOX, auditorias e outras questões financeiras se tornaram altas prioridades para os conselhos. Agora, o interesse por RH parece estar subindo na lista, segundo alguns especialistas. Nem todos, entretanto, vêem essa tendência. Por exemplo, Ed Lawler, professor da Marshall School of Business da University of Southern California, tem estudado o envolvimento dos conselhos e acredita que a maioria ainda não pede muitas informações sobre RH - talvez porque muitos conselhos não contem com membros que tenham conhecimento específico de RH para saber o que pedir.
Mas há evidências de que pelo menos alguns conselhos estão se inteirando das questões-chave do RH estratégico, tais como planos de sucessão, gestão de talentos e, especialmente, remuneração de executivos. Essa tendência provavelmente será guindada a novos patamares por conta das regras recentes da SEC, que impõem padrões mais rígidos para aumentar a transparência no pagamento de executivos. "As novas regras estão focadas em assegurar que haja transparência coerente na remuneração total - incluindo salários, benefícios e stock options pagos aos executivos-chave", observa Allan J. Reich, chair do National Corporate and Finance Practice Group da firma de advogados Seyfarth Shaw.
O novo padrão tornará as coisas mais duras para RH, prevê Kanin-Lovers. Os diretores do conselho farão mais perguntas e exigirão explicações mais detalhadas sobre programas de RH e sobre os dados coletados por RH, ela diz. Como os conselhos se mobilizam para atender a essas necessidades, ela acredita que o RH será pressionado para justificar os planos. Essa nova pressão por informação e interação aumentará o envolvimento que os executivos de RH já têm nas atividades do board.
De modo geral, os líderes de RH estão dedicando tempo às reuniões de conselho para relatar questões-chave do capital humano. Eles se sentam com outros executivos nas reuniões de conselho para oferecer orientação, depois vão embora quando o conselho começa a sessão executiva. No nível de comitê, o RH é comumente associado ao de remuneração, mas existem oportunidades também em outros comitês, incluindo governança, nomeações e até mesmo auditoria.
O RH, em geral, é associado ao comitê de remuneração, mas existem oportunidades de participar de outros grupos
"Existe um papel para o RH desempenhar em cada comitê do conselho", afirma Kanin-Lovers, cuja experiência inclui 17 anos como consultora da Towers Perrin. "Os conselhos tomaram alguns sustos com remuneração fora de controle, assim como com questões éticas, e estão vendo as vantagens de ter o RH na sala. Anos atrás, quando eu trabalhava como consultora, você não via as conexões que vê hoje. Há mais confiança na função de RH para apresentação e sustentação das informações relatadas."
Um executivo de RH que pode atestar a confiança de membros do conselho em RH é John Gordon, executivo sênior de RH da Methanex, de Vancouver, a maior produtora e distribuidora mundial de metanol. Gordon, juntamente com o CEO, desempenha um papel-chave em relação ao conselho e a todos os seus comitês. "Nós preparamos e apresentamos a eles todas as informações que utilizam para tomar suas decisões", relata Gordon.
No começo das novas regulamentações (a empresa é governada tanto pela SEC quanto pelas leis canadenses), Gordon conta que seu conselho ficou mais exigente. "Como a governança corporativa passou a ser envolvida, as pautas mudaram. O conselho tem grandes expectativas quanto ao seu en­volvimento em cada aspecto do nosso negócio. Está requerendo mais informações e procurando se aprofundar dentro das questões [de RH e outras]".
De modo geral, os membros do conselho também querem executivos de RH para compartilhar suas análises e expor seus pontos de vista. "O executivo de RH tem de ser capaz de olhar nos meus olhos e dizer a verdade", diz Stuart Levine, diretor de conselho da Gentiva Health Services, empresa prestadora de serviços de saúde com 17 mil funcionários. "Mostre-me os fatos e vá. Se você tem uma opinião diferente, quero escutá-la." Levine confia no executivo de RH Brian Silva, que integra o comitê de remuneração. "É função do RH sênior se antecipar; o RH tem de cavar um pouco mais fundo, dar mais informações, assim como filtrar os dados desnecessários", ressalta Peter Gleason, COO e diretor de pesquisa da National Association of Corporate Directors, uma organização sem fins lucrativos para conselhos corporativos e integrantes de conselho que tem 15,5 mil membros. "Eles querem a sua análise tanto quanto os números."

A linha fina

Um maior envolvimento com o board pode elevar o perfil profissional de RH, mas também pode colocar os executivos de RH em situações delicadas. Um risco possível é os membros do conselho perderem de vista as questões estratégicas e ficarem demasiadamente envolvidos nas operacionais. Ainda que o comumente aceito mantra para os membros do conselho seja "nariz dentro, dedos fora" - o que significa que os integrantes devem conhecer o que puderem, mas evitar tocar nos negócios -, a tentação de passar do limite está sempre presente.
Levine diz que os membros do conselho precisam achar o equilíbrio entre exercer um controle excessivamente minucioso e fazer as perguntas inteligentes para obter as informações de que necessitam. O perigo, afirma ele, é que os conselheiros podem se tornar problemáticos para a gestão. "Se você for muito invasivo", ele acredita, "pode enfraquecer o CEO." "Você não vai querer o conselho atolado no dia-a-dia - isso é tarefa da gestão", concorda Gleason. "Você vai querer que eles pensem estrategicamente e que fiquem numa posição de orientar a gestão nas grandes questões."
Mas, Kanin-Lovers reconhece, pode ser difícil para os membros do conselho se manterem alheios aos assuntos operacionais. "É preciso muita disciplina para não se envolver, em parte por causa do que se exige que você conheça", comenta. "Isso te deixa muito próximo das operações. Mas não é você quem tem de implementar a estratégia."
Essa é uma lição lentamente aprendida por novos integrantes de conselho, diz John Cecil, Chief Human Resource Officer da Lee Memorial Health System, um sistema público de serviços de saúde com oito mil funcionários. "É necessário um bom tempo para educar os conselheiros quando são eleitos pela primeira vez", conta. "Os novos membros podem entrar no caminho de tentar o controle excessivamente detalhado, mas logo descobrem quão complexo é o nosso negócio. Finalmente, eles se mantêm em suas funções como pessoas de confiança, com foco no estabelecimento das políticas."
Em alguns casos, o RH e outros executivos acreditam que estão sendo controlados com demasiado rigor por­que interpretam equivocadamente os intentos dos conselheiros, comenta Paula Cholmondeley, uma diretora in­dependente que participa de cinco conselhos. "Nós temos de saber mais, en­tão precisamos nos empenhar em dialogar e fazer mais perguntas", diz. "As pessoas interpretam as nossas per­guntas e comentários como sendo coisas que eles deveriam estar fazendo."
Mais informação = mais estratégia?
Também é preocupante que uma maior interação entre os membros de conselho e os executivos de RH resulte apenas em uma passagem mais rápida de informação - e não em um pensamento estratégico mais aprimorado sobre gestão do capital humano.
Constance Dierickx, consultora sênior da RHR International, tem diversos contatos com líderes de RH e não se impressiona com o diálogo entre RH e o conselho. "Ouço que [o RH] está atarantado respondendo às demandas do conselho, tendo de produzir informação e documentação", ela conta. "Eles se sentem pressionados para gerar a informação correta no tempo certo - e rapidamente. Eles dizem coisas como 'o conselho precisa e quer saber essas coisas, mas eu tenho 30 minutos na agenda deles.
Não posso ser minucioso com esse tempo'."
Os diretores de conselho estão buscando mais informações e dados, até mesmo junto ao RH, para tomar decisões
Mas Steve Ford, sócio da OI Partners, tem vastos contatos com altos executivos de RH que relatam que, desde a SOX, suas relações com o conselho se expandiram significativamente.
"Eles dizem que estão trabalhando mais com os conselhos em desenvolvimento de lideranças, conversando sobre planos de sucessão e cultura organizacional", conta Ford. "Eles estão se reportando ao conselho regularmente e se reunindo com conselheiros independentes que estão interessados especialmente em questões relacionadas à cultura e à diversidade." No Lee Memorial Health System, Cecil apresenta um relatório trimestral ao conselho com as informações-chave sobre RH com explicações detalhadas.

Diplomacia RH/CEO

Outro risco potencial para os profissionais de RH é que eles podem se ver no meio do caminho entre as demandas do conselho e da lealdade esperada pelo CEO. Charles Elson, diretor do Centro de Governança Corporativa da University of Delaware, e membro de três conselhos, observa que o "RH se reporta ao CEO e também ao conselho. O que acontece quando o CEO confidencia algo a ele, ou ele descobre informações críticas sobre o CEO? Fica calado ou vai ao conselho?"
Dierickx cita um executivo sênior de RH que se resguardou quando questionado pelo conselho sobre os principais executivos. "Ele não queria trazer à tona informações sobre alguém que tivesse conflitos com a visão do CEO, ainda que soubesse que o board precisava saber isso. Ele temia como o CEO iria reagir. Aqui é onde os conselheiros poderiam fazer um trabalho melhor. Eles não constroem suficientemente um relacionamento [profissional] com o executivo de modo que ele se sinta encorajado a se abrir."
Mas os esforços para estreitar relações com o RH e os demais executivos nem sempre são estimulados pelos CEOs. Cholmondeley descreve uma situação em que o vice-presidente de RH pediu a ela para almoçar com alguém que tivesse sido recentemente recrutado; ela aceitou o convite. Mais tarde, ela recebeu um telefonema do CEO perguntando por que ela estava falando com essa pessoa sem a aprovação dele.
Dierickx diz que é uma falácia acreditar que mudar a estrutura do conselho e agrupar-se com pessoas de fora automaticamente mudará alguma coisa dentro da estrutura da organização. "Você tira o CEO da sala e presume que a discussão será diferente", ela diz. "Isso pode ser verdadeiro entre conselheiros que são pares, mas, quando o conselheiro da área de RH está na sala, o RH e os conselheiros não são pares; é incumbência dos conselheiros criar um clima que encoraje o RH a falar."
O advogado Reich diz que o RH deve ser cauteloso quando decide falar criticamente sobre o CEO ao conselho. "Eu representei um executivo VP e um CFO de uma companhia aérea que disseram ao conselho que não acreditavam que o CEO estivesse fazendo um bom trabalho", ele lembra. "O conselho ficou do lado do CEO. Pouco depois, os executivos estavam fora."
Consultores independentes
Para as questões mais complicadas, que exigem maior grau de responsabilidade dos conselhos, eles procuram orientação independente para checar a informação que eles recebem da gestão. "Nós estamos contratando nossos próprios consultores para nos orientar sobre a remuneração para o grupo da alta gestão", conta Warren Batts, professor-adjunto de gestão estratégica da University of Chicago, ex-CEO da Tupperware and Premark International, e atualmente diretor em três conselhos.
Enquanto antes o executivo de RH tinha um ou dois mestres a servir - o CEO e o conselho - agora você tem de convencer um consultor independente a aprovar uma proposta.
"Podemos pedir feedback ao RH, mas não o incluímos nas discussões no topo", diz Batts. "Nós não queremos colocar o profissional de RH em risco com o seu chefe nas discussões sobre a remuneração a ser oferecida a uma posição-chave. Nós trazemos a pessoa de RH quando decidimos o que vamos fazer para ajudar na implementação."
A contratação de pessoas de fora pode trabalhar a favor de RH em questões delicadas. "Legalmente e de um ponto de vista de cargo de confiança, o RH trabalha para a empresa e tem a obrigação de apresentar qualquer informação que possa ter impacto na performance da empresa", diz Elson. "Mas os conselhos sabem que os executivos de RH são humanos, então, de um ponto de vista prático, faz sentido contratar consultores independentes."
E, eventualmente, os consultores independentes ajudam a tarefa de RH. Eles podem iniciar ou interromper ações que poderiam ser uma bomba política para o RH. "Eles te fortalecem", observa Kanin-Lovers. "Algumas vezes, a gestão quer implementar alguma coisa com a qual você no fundo tem diferenças. Consultores externos podem ajudar a colocar os freios."
Kanin-Lovers comanda o comitê de remuneração na empresa de recrutamento de executivos Heidrick & Struggles e aponta uma mudança no modo como os consultores independentes são selecionados. Antes da SOX, era comum os consultores serem contratados pela gestão - dando o direito ao RH de opinar na escolha. Agora, a seleção é tarefa do conselho.
Mas RH ainda pode desempenhar um papel no processo de seleção, diz Kanin-Lovers. Ela alerta que alguns consultores têm suas próprias agendas, como tentar impor seu próprios sistemas de remuneração nas empresas-clientes. Ela recomenda que o RH ofereça a sua expertise aos membros do conselho para avaliar potenciais consultores antes da contratação.
Achar o caminho
Uma vez que o RH assegure o seu lugar e o seu papel com o conselho nesse clima de controle, ele pode começar a capitalizar a oportunidade. Sem dúvida, o novo clima em governança corporativa dará mais oportunidades para o RH brilhar. "A porta está se abrindo devagar", diz Lawler. "A questão é: O RH tem credibilidade e capacidade de análise para atravessá-la?" Kanin-Lovers diz que você obtém credibilidade ao construir relacionamentos. Um bom começo é estar inteirado das informações que você fornece: retenção, recrutamento, sucessão, listas de funcionários com alto potencial e pesquisas salariais. Apresente isso e no tempo certo. "O que me deixa louca é quando eu não disponho do material com antecedência com tempo suficiente para compreender e analisá-lo. E fale com clareza. Lembre-se, a maioria dos conselheiros não tem o mesmo tipo de background que você."
Kanin-Lovers também diz que os dirigentes de RH podem se beneficiar imensamente dos membros independentes do conselho e de seus conhecimentos. "É como se fosse a orientação mais barata que uma empresa pudesse obter", ela comenta.
Silva, que anteriormente foi o principal executivo de RH da Linens'n Things, diz que os executivos de RH precisam entender as nuances de seus negócios; você não pode colaborar com estratégia se não estiver inteirado. "Na Linens'n Things, quando os conselheiros me chamavam para perguntar sobre uma questão de RH, eles iriam sempre me perguntar como a empresa estava indo - não apenas o RH. Eles esperavam que eu soubesse - e eu sabia."

Reprodução com permissão de HR Magazine, publicada pela Society for Human Resource Management